FAMÍLIA BRAZZI

 

Entrei de carro pela primeira vez em Indaiatuba e ainda na avenida de entrada, paro e me informo onde seria o cemitério. Perguntam: o novo ou o antigo? O antigo certamente. Sem muita dificuldade chego até ele, vejo que é dividido em dois setores e entro na parte mais antiga. Começo a perambular, mas nada de familiar a vista. Era bastante improvável chegar e encontrar o nome Brazzi em alguma sepultura logo de cara. Desistindo depois de algum tempo, saio pela rua central, arriscando mais umas olhadas aqui e ali. De repente, uma placa de mármore apagada e escurecida indicava apenas: ROSA e VINCEZO BRASSI. Eram meus tataravôs enterrados ali, num túmulo bem a vista, esperando para ser encontrado.

Os Brazzi fugiram a regra dos demais ancestrais do Veneto que viviam em Pádua, Vicenza e Chiarano, e estavam um pouco mais distantes, na província de Mântua, região da Lombardia, mas quase na fronteira do Veneto, não muito distante de Verona.

Vincenzo Brazzi nasceu na frazione de Salina, commune de Viadana, em 1o. de junho de 1839. Era filho de Giovanni Brazzi e Maria Rosa Lodi. Rosa Soragni, também morava naquela localidade, mas havia nascido na commune de Rio Saliceto, província de Reggio Emilia, em 22 de Outubro de 1845, filha de Francesco Soragni e Anna Amaini. Roza e Vincenzo se casaram em 29 de junho de 1867, na cidade de Viadana. Em Salina nasceram comprovadamente os filhos Leandro (8/8/1872) e Enrico Giovanni (26/3/1874) e certamente a filha mais velha Doralina.

Minha bisavó Emília, contudo, nasceu em 30 de março de 1877, na commune de Virgilio, para onde a família deve ter se mudado. No seu certificado de nascimento encontrei o endereço da família naquela época e por meio dele consegui obter uma foto da casa tal como é hoje. Trata-se de uma propriedade agrícola onde certamente a família Brazzi deveria trabalhar e morar.

 

Local de nascimento de minha bisavó Emilia Brazzi em Virgilio, Mântua


 


Esta é uma vista da propriedade obtida por satélite obtida no Google Earth


 

 


Conforme registrado no livro 006, página 228, da Hospedaria dos Imigrantes, São Paulo, SP, a família de Vincenzo Brazzi chegou ao porto de Santos no vapor Duchessa di Genova em 4 de Janeiro de 1892. O navio fora construído em 1884 e recebeu inicialmente o nome de México. Em 1887 foi renomeado como Duchessa di Genova, sendo sucateado em 1906. Tinha 4.304 toneladas e era maior que os demais navios que trouxeram os outros imigrantes da família.

 


 


Navio Duchessa di Genova no porto de Santos em foto de um cartão postal do final do século XIX

 

Nos documentos relativos à família, existem variações dos sobrenomes como: Brassi, Soriani, Sorani, Soragna, Soranha. As grafias corretas sao certamente Brazzi e Soragni. Procedente da Itália, a família Brazzi era constituída por: Vincenzo, 52 anos; Rosa Soriani (sic), 46, sua esposa, e os filhas: Doralina, 22; Emília, bisavó materna, 14; Anna, 10 e Maria, 6 anos. Ha uma informação que três outros filhos:  Adelina, Leandro e Enrico permaneceram na Itália

Estas são fotos de Vicenzo Brazzi tirada em Mantova antes de vir ao Brasil e de Roza Soragni no Brazil com uma neta, por volta de 1930. Não tenho nenhuma foto de Emilia Brazzi.

 


 

 

 


No Brasil, os Brazzi se instalaram em Indaiatuba, SP, e , pelo que consta, um dos genros era proprietário de um armazém cuja foto é mostrada a baixo:

 


 

 


 

 


Igreja Matriz de Indaiatuba, SP.

 

Francesco e Emília

Aos 16 anos, em 3 de Junho de 1893, Emilia se casou na matriz de Indaiatuba, SP, com Francesco Pasin, de 33 anos. A certidão de casamento informa que Emilia teria 18 anos e Francisco 31 e a discrepância certamente era para burlar a idade da noiva. Emilia casou-se bastante cedo, provavelmente pela necessidade de se resolver logo o problema de Vicenzo Brazzi ter aqui no Brasil apenas filhas mulheres para sustentar.

Emilia e Francesco voltaram a Europa logo apos o casamento, talvez porque o Brasil não era o que se esperava, como aconteceu tantas vezes com outros imigrantes. Em San Giorgio in Bosco, commune da província de Pádua, onde vivia a mãe viúva de Francesco, Maddalena Benetti, nasceu, em 7 de Março de 1894, a primeira filha Maria Maddalena, indicando que Emilia engravidou-se logo em seguida ao casamento.

Essa filha foi protagonista de um grande drama, que marcou a história familiar. Quando o casal retornou ao Brasil, foi deixada ainda recém-nascida na Itália com a avó e uma tia paterna Maria Pasin Anselmi, viúva de Onorato Anselmi, que perdido seus dois filhos ainda crianças. As razões para essa atitude são obscuras, mas foi tomada obviamente a contragosto de Emília. Talvez foi o fato de o primeiro filho ser mulher e não um macho para trabalhar pesado e levar adiante o nome da família ou, por outro lado, o receio de se transportar um recém-nascido sob as duras condições das viagens marítimas da época. Seja como for, Emilia não concordou com essa decisão e a criança foi entregue a tia paterna sob seus protestos. Esse dramático retorno ao Brasil deve ter ser sido ao final de 1894, ou início de 1895, pois o segundo filho, Mario, já nasceu em Indaiatuba, em 1o.  de Abril de 1895.

Emilia e Francesco tiveram muitos outros filhos e consegui elaborar uma relação quase inteiramente correta.

1        Maria          07/03/1894                   San Giorgio in Bosco, Itália      

2       Mario          01/04/1895                   Indaiatuba  

3       Josep (?)     29/09/1896                   Indaiatuba

3       Arsenio(?)                                         Indaiatuba

4       Nazareno     06/03/1898                 Indaiatuba

5       Sebastião    18/08/1899                   Indaiatuba

6       Desidério     27/02/1901                   Indaiatuba

7       Mercedes     06/09/1902                   Indaiatuba  

8       Auzilia        09/06/1904                   Indaiatuba

9       Francisco     11/07/1905                    Indaiatuba

10      Dimas          02/09/1907                   Indaiatuba

11       Alzira         07/11/1908                    Indaiatuba

12      Concília       14/08/1910                    Indaiatuba

13      Silvina         09/03/1913                   Piracicaba

14      Doralice      09/09/1914                   Piracicaba

15      Demétrio     1918                               Piracicaba

 

 Emília e Francesco mudaram para Piracicaba, onde, a partir de 1913 onde os três últimos filhos nasceram. Provavelmente por volta de 1920 o casal se separou.

As filhas Concilia e Silvina faleceram no inicio de 2008 e Alzira faleceu centenária ao final de 2008.

A filha Maria que ficou na Itália mantinha contato por carta com o pai, mas não com a mãe Emilia, que lutou para saber alguma coisa sobre a filha, mas parece que Francesco não colaborou. Maria, de alguma forma, parece ter se revoltado por se imaginar rejeitada pela mãe.

Em 1949, a sobrinha Escolástica, filha da irmã mais velha Doralina, viajou a Itália e encontrou Maria, morando em Bassano del Grappa, casada com 4 filhos. Maria trabalhava como professora sob as duras condições do pós-guerra e já se preparava para ser avó, pois sua filha Luiza estava grávida. Maria conhecendo o endereço da mãe lhe escreveu uma emocionante carta, contando sobre sua vida e filhos. A tia que a criara já havia morrido há sete anos e Maria pedia que Emilia a perdoasse. Maria escreve uma segunda carta a Escolástica, então já de volta ao Brasil, reclamando que a mãe Emilia não lhe respondia. Ignora-se se porque Emilia agiu assim e essa atitude fez Maria sofrer.

Emilia faleceu em São Paulo em 31 de Agosto de 1963 e foi enterrada no cemitério de Vila Formosa, mas seu túmulo não existe mais.


 

 


A foto que Emilia Brazzi nunca pode tirar: Maria Pasini (1894-1983) com a avó Maddalena Benetti, por volta de meados da década de 1910.

 

 

            No final de 2004 arrisquei a enviar uma carta ao endereço que constava da carta de 1949. Consultando a lista dos telefones verifiquei que um filho de Maria ainda vivia em Bassano del Grappa, no mesmo endereço em que Escolástica encontrou a tia Maria em 1949.

A carta chegou, mas não teve boa receptividade, pois lembranças de parentes do Brasil ainda eram causa de desgosto e dor. Contudo, algo mais forte prevaleceu e, em função dessa carta, pouco antes do carnaval de 2005, encontrei-me no Rio de Janeiro com Guido, neto de Maria.

Aprendi nessas buscas em família que existem feridas que não cicatrizam facilmente. Um oceano separou  mãe  e filha e mágoas de ambas as partes criaram barreiras. Entretanto, mais de cem anos depois da trágica separação algumas coisas puderam ser, acertadas  naquela improvável reunião familiar. Choramos juntos pelo passado e nos alegramos pelo encontro no presente e fizemos planos para o futuro.  Guido trouxe muitas fotos de Maria, de meu bisavô Francesco e de minha tataravó Maddalena. Um ciclo se fechou, talvez...

 

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